Para
Winnicott a criança nasce indefesa. É um ser desintegrado, que percebe de maneira
desorganizada os diferentes estímulos provenientes do exterior. O bebê nasce
também com uma tendência para o desenvolvimento. A tarefa da mãe é oferecer um
suporte adequado para que as condições inatas alcancem um desenvolvimento
ótimo.
Holding: Para
Winnicott a sustentação ou holding protege contra a afronta fisiológica. O
holding deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da criança –
tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade
às quedas – assim como o fato de que a criança desconhece a existência de tudo
o que não seja ela própria. Inclui toda a rotina de cuidados ao longo do dia e
da noite. A sustentação compreende, em especial, o fato físico de sustentar a
criança nos braços, e que constitui uma forma de amar. A mãe funciona como um
ego auxiliar.
Winnicott
propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas
posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual
chamou de “preocupação materna primaria”. A mãe adquire graças a esta
sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com as
necessidades do bebê.
O holding
feito pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não-integração, que
caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo entre a mãe
e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades
inatas do indivíduo.Self Verdadeiro e Falso Self . O ser
humano, para Winnicott, nasce como um conjunto desorganizado de pulsões,
instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme progride o
desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si e do
mundo externo. (Bleicmar e Bleicmar, 1992).
O papel
da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe permita integrar suas
sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades motoras
nascentes.
Quando a
mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-nascido; a criança
perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua continuidade existencial,
a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de que todas as suas
percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do perigo a que
se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta por
um “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, às custas da
qual cresce e se desenvolve o self. O individuo vai se desenvolvendo como uma
extensão da casca, como uma extensão do meio atacante.
Winnicott
diz que a “mãe boa” é a que responde a onipotência do lactante e, de certo
modo, dá-lhe sentido. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da
força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego
débil da criança. A mãe que “não é boa” é incapaz de cumprir a onipotência da
criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao gesto da mesma, em seu
lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da submissão ou
acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui a primeira
fase do self falso e é própria da incapacidade materna para interpretar as
necessidades da criança.
Nos casos
mais próximos da saúde, o self falso age como uma defesa do verdadeiro, a quem
protege sem substituir. Nos casos mais graves, o self falso substitui o real e
o indivíduo. Winnicott diz que na saúde o self falso se encontra representado
por toda a organização da atitude social cortês e bem educada. Produziu-se um
aumento da capacidade do individuo para renunciar a onipotência e ao processo
primário, em geral, ganhando assim um lugar na sociedade que jamais se pode
conseguir manter mediante unicamente o self verdadeiro. O falso self,
especialmente quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é
acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e
irrealidade.
Objeto transicional: O objeto
transicional representa a primeira posse “não-ego” da criança, têm um caráter
de intermediação entre o seu mundo interno e externo. Em
Winnicott o conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três usos
diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento; vinculada às
angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço dentro
da mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas condições, o fenômeno
ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica, ou mesmo se associar a
certas condições anormais. O objeto
transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da
criança; servirá para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e
para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao
interno. Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que o objeto transicional está
situado em uma zona intermediária, na qual a criança se exercita na
experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente como parte de si
mesma.
Para
explicar a constituição do objeto transicional, Winnicott remonta ao primeiro
vínculo da criança com o mundo externo, a relação com o seio materno. No
princípio, a criança tem uma ilusão de onipotência, vivenciando o seio como
sendo parte do seu próprio corpo. Mas, uma vez alcançada esta onipotência
ilusória, a mãe deve idealmente, ir desiludindo a criança, pouco a pouco,
fazendo com que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “possessão”, no
sentido de um objeto, mas que não é ele (“pertence-me, mas não sou eu”).
O objeto transicional ocupa para
um lugar que Winnicott chama de ilusão. Ao contrario do seio, que não está
disponível constantemente, o objeto transicional é conservado pela criança. Ela
é quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os fenômenos
transacionais “representam” a mãe é essencial que ela seja vivenciado como um
objeto bom. Bleichmar e Bleichamar (1992) relatam que, quando dentro da
criança, o objeto materno está danificado, é pouco provável que ela recorra, de
maneira constante, a um fenômeno transicional. Winnicott
aponta algumas características que são comuns aos objetos transicionais: a
criança afirma uma série de direitos sobre o objeto; o objeto é afetuosamente
ninado e excitadamente amado e mutilado; deve sobreviver ao ódio, ao amor, e à
agressão. É muito importante que o objeto sobreviva à agressão, possibilitando
a criança neutraliza-la, dando-lhe, posteriormente, um fim construtivo, ao
notar que esta não destrói os objetos. A ligação
e o afastamento do objeto transicional deixa em cada sujeito uma marca: fica na
mente do indivíduo um espaço que, assim como o objeto transicional, é
intermediário entre o interno e o externo. É nesse espaço que se produz muitas
das atividades criativas do homem, como as artes, a musica, etc. que
“representam” o mundo interno para o exterior e, em certo sentido, “representa”
a realidade para si mesmo.Desenvolvimento psíquico. Winnicott
propõe que a maturação emocional se dê em três etapas sucessivas: a da
integração e personalização, a da adaptação à realidade e a de pré-inquietude
ou crueldade primitiva.Integração e personalização. Para
Winnicott as experiências iniciais ou diádicas são estruturantes do psiquismo,
participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê nasce em um
estado de não integração. Onde os núcleos do ego estão dispersos e, para o
bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio
ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a
personalização – adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O
objeto unificador do ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção
(holding).
Na etapa
inicial de desenvolvimento a questão primordial é a presença de uma
mãe-ambiente confiável que se adapte às suas necessidades de maneira
virtualmente perfeita. Gurfinkel (1999) lembra que Winnicott inclui entre as
“necessidades do ego” tanto os cuidados físicos quanto os psíquicos. Nem a
realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar com o bebê, e nem a
resposta imediata às suas demandas pulsionais implicam a satisfação das
necessidades do ego. A integração
é obtida a partir de duas séries de experiências: por um lado tem especial
importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os pedacinhos do
ego”, permitindo a criança que se sinta integrada dentro dela; por outro lado
há um tipo de experiência que tende a reunir a personalidade em um todo, a
partir de dentro (a atividade mental do bebê). Chega um período em que a
criança, graças às experiências citadas, consegue reunir os núcleos do seu ego,
adquirindo a noção de que ela é diferente do mundo que a rodeia. Esse momento
de diferenciação entre “eu” e “não-eu” pode ser perigoso para o bebê, pois o
exterior pode ser sentido como perseguidor e ameaçador. Essas ameaças são
neutralizadas, dentro do desenvolvimento sadio, pela existência do cuidado
amoroso por parte da mãe. A
personalização – definida por Winnicott como “o sentimento de que a de que a
pessoa de alguém encontra-se no próprio corpo”. O autor propõe que o
desenvolvimento normal levaria a alcançar um esquema corporal, chamando-o de unidade
psique-soma. Gurfinkel (1999) diz que a psique e o soma – que formam o esquema
corporal de todo indivíduo – interpenetram-se e desenvolvem-se em uma relação
dialética, e apresentam o paradoxo da diversidade na unidade.
Para
Winnicott mente e psique são conceitos diferentes; trata-se de registros
relacionados, mas heterogêneos. A psique é a elaboração imaginativa das partes,
sentimentos e funções somáticas e não se separa, nem se divide do soma. A
mente, no desenvolvimento saudável, não é nada mais do que um caso particular
do funcionamento do psicossoma, surgindo como uma especialidade a partir da
parte psíquica do psicossoma.Adaptação à realidade
A medida que o desenvolvimento
progride, a criança tem um ego relativamente integrado, e com a sensação de que
o núcleo do si-próprio habita o seu corpo. Ela e o mundo são duas coisas
separadas. A etapa seguinte é conseguir alcançar uma adaptação à realidade. Nessa
etapa a mãe tem o papel de prover a criança com os elementos da realidade com
que irá construir a imagem psíquica do mundo externo. A adaptação absoluta do
meio ao bebê se torna adaptação relativa, através de um delicado processo
gradual de falhas em pequenas doses.
Bleichmar
e Bleichmar (1992) dizem que para Winnicott a fantasia precede a objetividade,
e o seu enriquecimento com aspectos da realidade depende da ilusão criada pela
mãe; tudo repousa no vínculo precoce da criança com sua mãe. Mas o acoplamento
entre alucinação infantil e os elementos da realidade fornecidos pela mãe nunca
poderá ser perfeito. No entanto, o lactante pode vivê-lo como quase ótimo,
graças a uma parte de sua personalidade, que procura preencher o vazio entre
alucinação e realidade – a mente. Winnicott
considera que a atividade mental da criança faz com que um meio ambiente
suficiente se transforme em um perfeito, converte o relativo fracasso da
adaptação em um sucesso adaptativo. O autor fala que o que libera a mãe de ser
quase perfeita é a compreensão da criança. A mente
se desenvolve através da capacidade de compreender e compensar as falhas; é uma
função do ambiente à medida que ele começa a falhar, Gurfinkel (1999) diz que é
apenas à medida que o ambiente falha que ele começa a existir para o bebê
enquanto realidade. Portanto, se no início, a tarefa da mãe é adaptar-se de
maneira absoluta às necessidades do bebê, em seguida, será de fundamental
importância que ela possa fornecer um fracasso gradual da adaptação para que a
função mental do bebê se desenvolva satisfatoriamente. O resultado disto será a
emergência da capacidade do próprio sujeito de cuidar de seu self, atingindo um
estágio de dependência madura. Quando p
ambiente não proporciona os cuidados que o psicossoma considera como
elementares, a mente se vê obrigada a uma hiperatividade, o pensamento do
indivíduo começa a assumir o controle e a organizar o cuidado ao psique-soma,
podendo ocasionar uma oposição entre mente e psicossoma, ocasionado um
distanciamento do verdadeiro self. Em estado de saúde, a mente não usurpa as
funções do meio, mas possibilita uma compreensão e eventual aproveitamento de
sua falha relativa.Crueldade primitiva (fase de pré-inquietude). Depois de
a criança ter alcançado a diferenciação entre ela e o meio circundante e se
adaptar em certa medida à realidade, pela absorção de pautas objetivas dela,
que modificam suas fantasia, o último passo que deve dar é integrar em um todo
as diferentes imagens que tem de sua mãe e do mundo. Winnicott
pensa que a criança pequena tem uma cota inata de agressividade, que se exprime
em determinadas condutas auto-destrutivas. O bebê volta seu ódio sobre si mesmo
para proteger o objeto externo; mas esta manobra não é suficiente e em sua
fantasia a mãe pode ficar intensamente danificada. (Bleichmar e Bleichmar,
1992).
A mãe é,
além do objeto que recebe, em certos momentos, a agressão da criança, é também
aquela que cuida dela e a protege. Quando a criança exprime raiva e recebe
amor, a criança confirma que a mãe sobreviveu e é um ser separado dela. O bebê
adquire a noção de que suas próprias pulsões não são tão danosas e pode, pouco
a pouco, aceitar a responsabilidade que possui sobre elas.
Bleichmar
e Bleichmar (1992) dizem que simultaneamente a mãe que é agredida e a mãe que
cuida vão se aproximando na mente do indivíduo, que assim adquire a capacidade
de se preocupar com seu bem-estar, como objeto total. Isto constitui o grande
sucesso que, que Winnicott identifica como a última das etapas do
desenvolvimento emocional primitivo.
Referências
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